Vivenciar o processo de uma doença grave e muitas vezes incurável é doloroso e requer uma estrutura emocional bastante forte, não só de quem está doente, mas também de toda a família.
Desde o diagnóstico até os desafios constantes do tratamento, cada etapa é uma batalha feita de pequenas vitórias e também de algumas derrotas. A evolução da medicina ajuda, mas nem sempre a cura vem. E aí surge a pergunta: o que fazer?
Nesse momento, entram em ação os chamados cuidados paliativos. Esse termo pode assustar em alguns casos e causar dúvidas em muitas pessoas. Tanto é assim que uma das metas da Union for International Cancer Control (UICC) até 2025 é reduzir o estigma associado aos cuidados paliativos, garantindo a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e familiares. Mas o que são cuidados paliativos de fato e como funciona essa etapa tão importante na vida de muitas pessoas?
De onde vem o termo cuidado paliativo?
Antes de explicar o que são cuidados paliativos, é preciso entender a origem do termo e do conceito.
O significado da palavra “cuidado” não gera dúvidas. Ela vem do verbo “cuidar” e remete a bem-estar e saúde.
Já o adjetivo “paliativo” significa algo que tem a qualidade de acalmar, de abrandar temporariamente um mal (diz-se de medicamento ou tratamento).
A filosofia paliativista, segundo pesquisadores, teve o seu início ainda na Antiguidade, quando surgiram os primeiros conceitos sobre o cuidar. Durante a Idade Média e o período das Cruzadas, era comum a existência de hospícios em monastérios (no português e nessa acepção, os hospícios corresponderiam a hospedarias).
A característica dos hospices era oferecer acolhimento, proteção e alívio do sofrimento, indo além da busca pela cura. Ali se abrigavam pessoas famintas, mulheres em trabalho de parto, pobres, órfãos, leprosos e doentes em estado terminal ou vegetativo. É até mesmo por isso que o cuidado paliativo confunde-se historicamente com esse termo.
Foi com essa finalidade de cuidado que, no século XVII, um padre francês chamado São Vicente de Paula fundou a Ordem das Irmãs da Caridade em Paris. Já em 1902, algumas Irmãs da Caridade irlandesas que visitavam os doentes em casa inauguraram o St. Joseph’s Hospice, em Londres.
Mas foi Cicely Saunders, enfermeira, assistente social, médica e autora de livros, artigos e guias utilizados até hoje, que dedicou a sua vida ao cuidado e ao alívio do sofrimento e fundou, em 1967, o primeiro serviço para oferecer o cuidado integral ao paciente. O St. Christopher’s é considerado ainda atualmente um dos principais serviços no mundo em Cuidados Paliativos e Medicina Paliativa.
No Brasil, as primeiras discussões e reflexões sobre a linha paliativista remontam aos anos 1970, e, nos anos 1990, surgiram os primeiros serviços nesse sentido. No entanto, foi apenas em 2009 que o Conselho Federal de Medicina incluiu, em seu novo Código de Ética Médica, os Cuidados Paliativos como princípio fundamental.
Entendendo então o que são cuidados paliativos
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em conceito definido em 1990 e atualizado em 2002, os “Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”.
Ou seja, estamos falando de um conjunto de procedimentos e técnicas médicas e de saúde que se centram na qualidade, e não na duração da vida. Os recursos paliativistas oferecem assistência humana e compassiva para os pacientes nas últimas fases de uma doença que não pode mais ser curada, a fim de que eles possam viver com o máximo conforto e a máxima qualidade e dignidade possível.
Os cuidados paliativos focam também o controle de dor e de outras consequências que podem ser causadas por uma doença, como é o caso da insuficiência respiratória, por exemplo, que muitas vezes acontece nessas situações.
Dessa forma, o cuidado paliativo é uma abordagem ampla que busca o conforto dos indivíduos durante um tratamento (controle de efeitos colaterais, controle de dor, por exemplo) ou doença avançada e deve ser oferecido ao paciente e familiares sempre que possível e o mais precocemente.
A entidade aponta que, a cada ano, cerca de 56,8 milhões de pessoas, incluindo 25,7 milhões no último ano de vida, necessitam de cuidados paliativos. Ainda segundo a OMS, apenas cerca de 14% das pessoas no mundo que precisam de cuidados paliativos os recebe atualmente.
Agora que já sabemos o que são cuidados paliativos, o que é preciso considerar?
Estamos falando de um processo complexo que geralmente abrange ambientes institucionais e comunitários, incluindo relações sociais e trabalhistas, com planos de cuidados centrados no paciente, ou seja, em seu “momento”, tanto no tratamento quanto na doença.
Um dos pontos importantes no que diz respeito aos cuidados paliativos é a flexibilidade, pois alguns pacientes precisarão transitar entre diferentes níveis de cuidados ao longo da trajetória da doença. A abordagem, no que lhe concerne, dependerá do seu status funcional e de sua carga de sintomas.
Nesse sentido, é fundamental a atuação de uma equipe interdisciplinar que, além de um trabalho de qualidade e técnica, ofereça os cuidados integrais e humanizados para o paciente e para toda sua rede de apoio.
A questão psicológica é também um dos aspectos mais importantes tanto para a família como para o paciente, durante esse período crítico, marcado pelo sofrimento de todos os envolvidos. Este muitas vezes é prolongado e sem data marcada para terminar.
Pelo desgaste que essa situação provoca, a intervenção psicológica nesse momento é fundamental e pode ser até mais crucial do que a medicação oferecida.
A decisão sobre em que momento se deve fazer a transição do tratamento curativo para os cuidados paliativos deve ser sempre compartilhada entre o médico que comanda o tratamento de modo geral, a família do paciente e o próprio paciente, nos casos em que este último tem condições de decidir e entender o que está acontecendo nesse processo.
Não importa o nível cultural ou socioeconômico de quem será atendido sob a abordagem paliativista: todos têm a condição e o direito de entender essas decisões e suas implicações. Considerar todos esses pontos é importante para que, além da certeza do que está sendo feito, se tenha segurança e até mesmo se evitem dúvidas e desconfortos posteriores, como, por exemplo, questionamentos sobre se a decisão pode ter sido tomada precipitadamente; se o médico não informou direito todos os desdobramentos, etc.
Enfim, todo esse trabalho precisa ser muito bem articulado entre todos e requer comunicação clara e muita delicadeza e destreza por parte de quem o conduz, em especial por envolver questões éticas muito sensíveis e por ser algo relativamente novo para muitas pessoas.
Quais instituições podem oferecer cuidados paliativos no Brasil
Mesmo sabendo o que são cuidados paliativos e quais aspectos considerar, ainda existem dúvidas de quando e onde recorrer a esse tipo de assistência.
A legislação brasileira ainda precisa ser aperfeiçoada no que tange aos cuidados paliativos, em especial quando se compara com alguns países da Europa e com os Estados Unidos, onde essa sugestão é mais detalhada e mais entendida pela comunidade de saúde e pela sociedade.
Ainda existe o receio e a ideia de que se trata de algo feito somente para liberar leitos e acelerar a fila, e, por isso, essa abordagem ainda gera polêmicas.
Diante disso, aumenta-se a importância de um diálogo franco, principalmente pelo médico que está conduzindo o caso, a respeito do que pode ou não ser feito do ponto de vista legal, informando inclusive a quem recorrer nessa situação.
Como dito, os cuidados paliativos são realizados quando o tratamento curativo não está mais atuando, ou seja, quando ele deixa de fazer o efeito esperado de cura. Um dos problemas com essa modalidade de assistência é que, muitas vezes, ela é iniciada já tardiamente, comprometendo sua efetividade.
Vale ressaltar que, infelizmente, apesar de termos instrumentos que fazem o prognóstico de quanto tempo o paciente tem de vida, baseado em uma escala do seu estado de saúde e de seus sintomas, o diagnóstico ainda é algo impreciso e subjetivo. Algumas vezes, o paciente falece antes do previsto ou, pelo contrário, acaba ficando muito mais tempo recebendo esse tipo de cuidado não paliativo.
Em determinados casos, o médico, o paciente ou a família rejeitam a alternativa paliativista porque acreditam que adotá-la significa que o paciente está desistindo ou que não existe mais esperança. Porém, não se trata disso. Os cuidados paliativos trazem a possibilidade de dias melhores na fase terminal.
Eles podem ser realizados na casa do paciente, em um hospital ou unidade de saúde de transição, ou mesmo em um hospice. Contudo, deve-se ter em mente que o início dos cuidados paliativos é resultado de uma decisão conjunta de paciente, familiares e médico.
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